A nova realidade dos negócios requer transformação – para gerar, capturar e proteger valor nas empresas. Nada mais urgente então do que criar ou rever as métricas e os processos de monitoramento para a melhor tomada de decisões.

Por Luciano Feltrin

 

A transformação de um negócio, independentemente de seu porte ou setor de atuação e até mesmo da conjuntura de mercado enfrentada, sempre pressupõe o objetivo maior de gerar, capturar e proteger valor para os seus acionistas. Porém, para assegurar a eles uma expansão sustentável e a perpetuidade do empreendimento, é preciso contar com metas e métricas que perpassem o modelo de negócios e toda a operação e ajudem a entender qual é a base atual e o que se espera a partir desse ponto. É pela definição clara de objetivos e pelo seu acompanhamento contínuo que as decisões de investimentos podem se tornar mais assertivas, como explica Heloisa Montes, sócia-líder de Strategy, Brand & Marketing da Deloitte. “Promover a transformação de forma estruturada é um esforço especialmente oportuno neste momento, em que as empresas estão buscando se adaptar a uma nova realidade da economia e do ambiente de negócios, mais competitivo e com menos recursos disponíveis”, avalia Heloisa.

Os gestores de muitas das corporações que hoje procuram estruturar uma transformação interna podem estar com dúvidas essenciais, já que cada empresa vive um momento muito específico e acumula histórias particularmente distintas. Vários deles podem se perguntar então se existe um modelo predefinido para estruturar ou reformular as práticas de mensuração e gestão do desempenho e qual seria o modo correto de conectar as metas estratégicas às dimensões operacionais da organização.

Para fazer frente a esses desafios, especialistas e exemplos práticos mostram que é fundamental que a organização esteja bem estruturada e conte com ferramentas, indicadores e práticas adequadas de gestão que possam orientar a tomada de decisão, sinalizando inclusive a necessidade de eventuais correções de rota em momentos críticos.

Costumam estar na vanguarda dessa prática as empresas de grande porte e com atuação global, bem como as companhias de capital aberto, que têm ações negociadas em bolsa de valores e diversos acionistas que cobram resultados a cada trimestre, levando sempre a régua para cima. Para Olivier Colas, diretor de Relações com Investidores e vice-presidente da Kepler Weber, fabricante de equipamentos para armazenagem e movimentação de granéis, “o grande desafio que o gestor de uma empresa de capital aberto tem, em especial em momentos de vacas magras, é driblar os anseios de curto prazo dos investidores, mostrando que, além das medidas que estão sendo tomadas para mitigar os riscos do negócio, existem projetos consistentes, capazes de preparar, mobilizar e transformar a empresa para o futuro”, conclui.

A eficácia da transformação está, por outro lado, condicionada à capacidade de alinhar os objetivos e as estratégias de longo prazo às diferentes dimensões operacionais da organização. Segundo Valéria Barbosa, diretora de Recursos Humanos da Novartis, “à medida que uma empresa cresce e fica mais complexa, com várias divisões coligadas, esse alinhamento do negócio fica menos natural e espontâneo. As métricas têm importância para definir como a empresa agirá naquele determinado período, levando em consideração os desafios do cenário. A partir daí, a empresa estabelece metas, traça um bom plano para sua execução e controle, e passa a orientar suas decisões de investimento, estabelecer prioridades e desenhar seu modelo de negócios com base nas informações desse histórico”, explica.

A Novartis aposta em metas bem formuladas, na contínua revisão de processos e também na força da comunicação para engajar funcionários e demais parceiros e públicos de interesse na busca por entrega de resultados e crescimento consistente. “Ter muitas metas pode ser uma armadilha. É melhor ter poucas que sejam, ao mesmo tempo, desafiadoras e factíveis e um processo de comunicação entre as áreas que deixe claro em que lugar a empresa quer chegar, quais são suas prioridades e como cada pessoa pode contribuir”, acredita a executiva. Quando a intuição perde a eficácia

A Novartis aposta em metas bem formuladas, na contínua revisão de processos e também na força da comunicação para engajar funcionários e demais parceiros e públicos de interesse na busca por entrega de resultados e crescimento consistente. “Ter muitas metas pode ser uma armadilha. É melhor ter poucas que sejam, ao mesmo tempo, desafiadoras e factíveis e um processo de comunicação entre as áreas que deixe claro em que lugar a empresa quer chegar, quais são suas prioridades e como cada pessoa pode contribuir”, acredita a executiva.

Outra empresa de grande porte e atuação internacional cuja gestão está orientada por um conjunto de indicadores que são acompanhados criteriosamente é a Amanco. Subsidiária brasileira do Grupo Mexichem – este com ações negociadas na Bolsa de Valores mexicana –, a empresa adotou uma fórmula simples para que os objetivos que almeja alcançar a longo prazo encontrem aderência no dia a dia. “Todo nosso processo de avaliação de desempenho e alcance de resultados de negócios e pessoas é trimestral, inclusive com um programa de bônus igualmente trimestral. Ter metas alinhadas à estratégia não basta. É preciso mostrar para as pessoas, em períodos e intervalos de tempo mais curtos, como elas estão contribuindo para que se sintam inseridas no processo”, pondera Adriana Garcia, diretora de Recursos Humanos da Mexichem Brasil, detentora da marca Amanco.

Ainda para evitar que as metas para um futuro mais distante não deixem de capturar e incorporar, em alguma medida, a realidade do momento e das condições econômicas, determinadas áreas da empresa adotam indicadores para acompanhar ainda mais de perto se as coisas estão caminhando conforme o planejado.

A transformação das emergentes

Ao contrário das grandes corporações, a maior parte das empresas emergentes encontra-se em um estágio de amadurecimento de seus processos de gestão. Para aquelas, por exemplo, que buscam aportes financeiros para crescer, a lição de casa precisa começar logo. “Uma empresa que quer contar com investimento de um fundo de private equity precisa ter uma governança corporativa em um nível bem razoável de maturidade. Além das métricas contábeis, é necessário dispor também de indicadores que traduzam com clareza gerencial e analítica seu negócio”, avalia Topázio Silveira Neto, presidente da Flex Contact Center. Fundada em 2009, a empresa catarinense, especializada em gestão de relacionamento com clientes de grandes corporações, recebeu no fim de 2014 um aporte do fundo Stratus. O executivo comenta que a capacidade de construir ao longo do tempo um conjunto consistente de métricas operacionais foi decisiva para que o fundo escolhesse a empresa, em detrimento de potenciais concorrentes do segmento.

“Um indicador fundamental em nosso setor é a quantidade de ações trabalhistas que a empresa tem. Quanto menor for o índice, significa que melhor você está gerenciando pessoas e atendendo aos clientes na ponta”, exemplifica. “O turnover de pessoal é outro índice fundamental nesse negócio. E o fundo que se tornou nosso parceiro constatou que tínhamos bom desempenho quando consideradas, entre outras, essas duas métricas da operação”, lembra.

Gestores de fundos de private equity confirmam a observação de Silveira Neto quanto à importância do grau de maturidade da governança na escolha de uma futura investida. “Se a empresa tem controles e métricas muito rudimentares e o prazo de implementação de ferramentas adequadas for prejudicar a tese de investimento e o horizonte de saída do fundo, podemos até deixar de investir. Afinal, tempo é uma variável fundamental para os fundos desse segmento”, alerta Luiz Medeiros, diretor de Private Equity da gestora Rio Bravo.

Segundo Medeiros, a tarefa de transformar a gestão e agregar indicadores é um autêntico trabalho de formiguinha: silencioso e ágil. O ideal, calcula, é que dure de um ano a um ano e meio e envolva a adoção de uma cultura orçamentária, de índices para mensurar a performance de pessoas e departamentos e, ainda, de políticas de remuneração variável e de utilização de caixa. Nos casos bem-sucedidos, a chegada de fundos de private equity à estrutura acionária marca o início de um ciclo de transformação das empresas, com a vinda de uma equipe de executivos, com destaque para aqueles que irão compor o time que ficará à frente das finanças.

Para Heloisa Montes, da Deloitte, “a profissionalização é o limite de qualquer negócio. É comum acontecer casos em que a empresa cresce muito, gera valor e, depois, com seu mercado mais competitivo, a captura desse valor diminui. Quando isso ocorre, pode ser a hora de buscar o capital qualificado desses fundos para obter ganhos de eficiência e escala e se preparar para um novo ciclo de expansão”.

Foi uma trajetória semelhante a essa que a Mandic, empresa brasileira especializada em computação em nuvem, optou por trilhar. Adquirida pelo fundo Riverwood Capital, em março de 2012, a empresa passou a ser comandada por um executivo de mercado, Mauricio Cascão. Com o Chief Executive Officer (CEO), chegaram à organização outros profissionais, como Rosângela Sutil, que passou a ocupar o cargo de diretora de Gestão Administrativa e Finanças. Ela veio com a missão de desenvolver uma nova cultura corporativa, com base em princípios e metodologias de controladoria e finanças, além de uma gestão econômico-financeira que jogasse a favor do negócio. Tudo para melhorar a margem dos produtos oferecidos e aumentar a agilidade na tomada de decisão do dia a dia. Além de passar a adotar um painel de controle composto por informações de todos os departamentos e a produzir indicadores de avaliação de desempenho mensais – e, em alguns casos, até mesmo semanais –, a Mandic reforçou a gestão financeira. Um ano após ser comprada e arrumar a casa, a empresa atraiu um segundo investidor, a Intel Capital, que aplicou recursos na modernização do parque tecnológico e na contratação de pessoas.

A rede de faculdades Estácio, que já vivenciou um ciclo completo de investimento e desinvestimento – tendo como sócio entre 2008 e 2013 o fundo GP Investments –, atribui a conquista do equilíbrio entre negócio e caixa a um longo processo de aprendizado. “Algo que hoje a empresa tem em sua corrente sanguínea e que, sem dúvida, é um legado do antigo parceiro, é a capacidade de conseguir equilibrar gestão e cultura financeira com a acadêmica. Elas precisam ser irmãs siamesas ou o negócio não será sustentável”, garante Virgilio Gibbon, diretor financeiro da Estácio.

Incorporar à rotina da empresa boas práticas de gestão financeira deveria ser meta de todas as organizações emergentes, recomenda Heloisa Montes, da Deloitte. “É preciso assegurar uma gestão eficiente de recursos ou parte do valor que foi gerado e capturado anteriormente pode evaporar. Isso inclui reforçar controles, otimizar recursos e contar com mecanismos de gestão capazes de incorporar cenários de volatilidade”, enumera.

 

Fonte: Revista Mundo Corporativo