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Emails respondidos, documentos entregues, proposta enviada, relatórios preenchidos. Esse poderia ser um exemplo de uma checklist feita diariamente por profissionais precrastinadores.

O comportamento pode parecer um sinal de comprometimento e eficiência, mas especialistas defendem que ser um precrastinador também tem suas desvantagens.

Quem criou o termo, em oposição aos procrastinadores, foram pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Eles publicaram um estudo sobre o tema na edição de julho da revista científica “Psychological Science”.

A ideia é que sempre tentar se livrar a qualquer custo e o quanto antes dos trabalhos que se apresentam, mesmo que isso exija sacrifícios exagerados, pode ser um mau negócio.

Segundo os especialistas, a necessidade de resolver de uma vez as pendências pode levar à falta de priorização -algumas coisas devem ser deixadas para depois simplesmente porque são menos importantes-, à perda de qualidade e ao aumento do estresse da equipe.

O excesso de velocidade pode ainda sacrificar a reflexão, por não dar tempo para o amadurecimento das ideias e para a reflexão crítica sobre qual o melhor processo a ser adotado para resolver determinado problema.
Entre os pontos positivos do comportamento, destaca-se a possibilidade de ter tempo para revisar e até refazer um trabalho -quem entrega tudo em cima do deadline não tem segunda chance.

Além disso, como lembra Lucas Torres Silva, 26, dono da agência de marketing digital Midiaver.com, que se considera um precrastinador, entregar trabalhos com antecedência causa uma ótima impressão em chefes e especialmente em clientes.

  Leticia Moreira/Folhapress  
Lucas Torres Silva, 26, dono de uma agencia de marketing digital
Lucas Torres Silva, 26, dono de uma agencia de marketing digital

Ele conta que abriu sua agência com apenas 21 anos. Isso fez com que tivesse uma especial necessidade de passar confiança para os clientes, e adiantar trabalhos foi a solução encontrada.
Há ainda uma sensação de alívio que o leva a precrastinar, conta Lucas. “Eu penso que, se eu resolver logo, não vou ter mais tarefa.”

CORPORAÇÕES

Perfil parecido tem Leonardo Araújo, 29, que é analista de operações de TI da Mandic, empresa de tecnologia especializada em computação em nuvem, e trabalha diretamente com os cliente. Ele é conhecido na empresa por se antecipar aos prazos e por sempre responder os emails imediatamente.

Se o trabalho é para segunda-feira, o analista prefere ficar até mais tarde e terminar tudo na sexta-feira a finalizar na semana seguinte quando inicia o expediente. “Senão, eu vou passar o fim de semana querendo resolver.”

Embora a precrastinação também possa ocorrer fora do ambiente de trabalho -uma pessoa que paga todas as contas bem antes de elas vencerem, por exemplo-, é nas empresas que há mais incentivo para esse comportamento, afirma o professor da Fundação Getúlio Vargas e da Unicamp, Roberto Heloani.

Segundo ele, que trabalha na interface da psicologia com a gestão de pessoas, a realidade corporativa contemporânea valoriza profissionais com esse perfil.

“Como permanece uma lógica de cobrança constante, há pressão para diminuir os prazos de entrega. O profissional só consegue relaxar e muitas vezes curtir um fim de semana se a tarefa já tiver sido despachada”, avalia.

Para a gerente de comunicação e marketing da consultoria de recrutamento de altos executivos Hays, Mariana Schwarz, também é natural que os profissionais adotem esse tipo de comportamento.
“Em qualquer jornal que você lê, fala-se em produtividade. É a palavra do momento no mundo corporativo”, diz. A própria Schwarz afirma se identificar com o perfil precrastinador.

Os pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia cunharam o termo precastinação depois de se surpreenderem com o resultado de um experimento.

Eles pediram a vários estudantes que entregassem uma balde carregado a um pesquisador que aguardava a alguns metros de distância. Eles podiam tanto pegar um balde que estava do seu lado quanto um que estava mais adiante, perto do destino final.

Os pesquisadores imaginavam que os cobaias escolheriam os baldes mais próximos ao pesquisador –porque, obviamente, teriam de carregá-los por menos tempo.

Para sua surpresa, porém, a maior parte dos alunos pegou o primeiro balde, realizando a tarefa da maneira que exigia mais esforço.

A equipe de David Rosenbaum, do departamento de psicologia, chegou a achar que os alunos não tinham entendido direito as instruções.

Eles repetiram então o experimento oito vezes, ressaltando que os estudantes poderiam entregar qualquer um dos baldes. Em um dos experimentos, chegaram a carregar os baldes com moedas, deixando-os bastante pesados, na expectativa de que os alunos se tocariam de que estavam gastando energia à toa.

A maior parte dos alunos continuou, porém, escolhendo o balde mais distante.

A hipótese que os pesquisadores escolheram para explicar o resultado é que as pessoas, ao pensarem algo como “bom, vamos resolver isso de uma vez”, são capazes de trabalhar mais que o necessário para realizar uma determinada tarefa.

Rosenbaum aponta para a natureza humana para justificar tal comportamento. As pessoas tendem a ficar aliviadas quando esvaziam a sua “memória de trabalho”, uma lista de pendências a resolver que ocupa os nossos cérebros.
No limite, uma implicação das descobertas dos psicólogos é que as pessoas podem sacrificar seu próprio bem-estar para ter a sensação de estar livre de pendências.

Silva e Araújo não consideram que sua tendência a precrastinar seja prejudicial nem se sentem de alguma forma sobrecarregados.

O professor Heloani, da FGV, pondera, porém, que a ansiedade dos precrastinadores pode deixá-los mais suscetíveis a doenças.

A gerente da Hays Mariana Schwarz concorda. Apesar de destacar que o precrastinador costuma ser bem avaliado pelo gestor, ela afirma que esse hábito, em casos extremos, pode ser prejudicial para a saúde mental do profissional e para o resultado final do trabalho. Tanto o profissional quanto sua equipe podem acabar estressados.

Quando se trata de cargos de gerência e diretoria, o estrago pode ser ainda maior: “A decisão pode ser tomada errada, sem analisar outros pontos de vista, e a pessoa pode perder credibilidade.”

O próprio professor Rosenbaum se disse preocupado com as implicações da precrastinação na vida das pessoas. Segundo ele, em situações como a do balde, ela leva à irracionalidade.

“Mas eu estou aqui respondendo suas perguntas imediatamente”, brincou, ao ser questionado sobre o tema pela Folha por email.

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Fonte: Folha de S. Paulo